terça-feira, 19 de novembro de 2013

Intemporal

Faz hoje um ano que perdi a minha Avó e ainda não consigo acreditar. Parece que ainda sinto o seu cafuné, o seu cheiro a Davidoff, a baton vermelho e a laca de cabelo. Parece que ainda ouço a sua voz anasalada a chamar o S., o menino dos seus olhos. Parece que ainda me rio com os seus disparates. Uma Avó não tem idade para os seus netos. É sempre precisa, mesmo quando eles crescem e têm os seus filhos.
Há um ano perdi mais do que uma Avó, perdi os almoços de família, perdi o cheirinho a castanhas assadas nesta altura do ano, perdi as gelatinas de todas as cores com que nos brindava à sobremesa, perdi as cociguinhas melhores do mundo, perdi os conselhos mais impróprios para a sua idade, mas que não deixavam de ser verdade, perdi uma porta sempre aberta, perdi os caramelos sempre à minha espera, perdi o barulho de uma família gira que se reunia quase todos os dias, perdi o chamamento mais querido que alguma vez já ouvi, quando o meu Avô dizia: "Branquinha, a Francisquinha já chegou!!", perdi aquela sensação de casa dos Avós própria de netos: ninho, segurança, conforto. Podia não ir lá todos os dias, mas bastava passar e ver duas cabecinhas amorosas sentadas a ver televisão, para me sentir acompanhada. Perdi isso tudo, mas ganhei duas estrelinhas no céu.
A minha Avó será sempre a minha querida Avó, olhará sempre para mim como uma menina pequenina, que passava lá as tardes a jogar às cartas, a ver cassetes de VHS, a brincar no jardim e a mandar bolas de futebol para o liceu em frente, a esconder-se na sua casinha de arbustos, a apanhar morangos na Primavera, ameixas no S. João e diospiros no Outono. E a tomar banhos de mangueira com o reguila do irmão em pleno Verão. A minha Avó terá para sempre, na minha memória, o seu B dourado pendurado ao pescoço, que eu tanto gostava de mexer quando estava no seu colo. Terá sempre uma loucura por coca-cola e piri-piri, uma mistura explosiva que eu ainda hoje não consigo perceber! Terá sempre os melhores filhos do mundo, que nunca a deixaram só. Terá sempre o seu reinado à sua volta, tal como o tinha quando nos deixou. Terá sempre o amor incondicional do marido, o amparo sem igual dos filhos e o mimo especial dos netos e bisnetos. Para dizer a verdade, nunca vi ninguém tão amparado e tão amado.
Ainda tenho uma relação conflituosa com o luto. Ainda não consigo encará-lo de frente, ainda não consigo enxergá-lo muito bem. Pareço uma criança. Pior, porque as crianças olham nos olhos e o S. já fala da Avó Branca com vontade, com alegria, com felicidade. Sabe que esta Bisavó já cá não está e nunca mais vai voltar, de vez em quando diz que gostava de subir lá em cima no escadote do Pai para dar um beijinho aos Avós. Mas fala disso com um brilhozinho especial, como se fosse mesmo acontecer. Acho um amor e cada vez que o ouço dizer tal coisa dá-me uma vontade louca de chorar. O luto tem sido, para mim, um processo lento, moroso e nem sempre pacífico. Ainda estou naquela fase em que, lá no fundo, acho que os meus Avós foram fazer uma longa viagem e que, mais cedo ou mais tarde, voltarão cheios de malas, repletos de histórias para contar, com o seu sorriso de enternecer, o seu amor para dar e a sua casa de sempre para nos receber. Enfim, hei-de chegar lá...
A minha Avó, Mãe de 3 rapazes, Avó de 7 netos e Bisavó de 2 bisnetos, já perdeu muito neste último ano que cá não esteve, mas tenho a certeza que, onde estiver, está orgulhosa do seu legado.
Gostava de lhe dizer isto cada vez que lá ia e vou continuar a dizer pela minha vida fora: Até já Avó!
 
Linda e intemporal, como sempre!
 
 
 

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